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Exposição de furtos nas redes sociais: estratégia ou risco?

exposição de furtos

Recentemente, algumas redes varejistas, cansadas dos constantes furtos em suas lojas, passaram a divulgar as ações das pessoas mal-intencionadas e até de quadrilhas especializadas em suas plataformas de mídias sociais. Esses vídeos de câmeras de segurança mostrando furtos em lojas ganham milhares de visualizações, compartilhamentos e comentários. Mas essa prática é uma estratégia eficaz de segurança no varejo, ou representa um risco jurídico e reputacional para o lojista?

Com a popularização das redes sociais como Instagram, TikTok e Facebook, muitos lojistas divulgam as ações criminosas em vídeos com o título “Flagrante de furto na loja” ou “Olha o que esse cliente fez”, que geram engajamento, despertam a atenção do público e até servem como uma forma de desabafo. Contudo, essa exposição traz riscos que vão além do marketing espontâneo.

Do ponto de vista estratégico, a exposição pode funcionar como uma forma de dissuadir futuros infratores. A lógica é simples: se as pessoas souberem que podem ser expostas, pensarão duas vezes antes de cometer o delito. Essa abordagem, chamada de marketing de segurança ou dissuasão por reputação, é usada em diversas partes do mundo.

No entanto, ao expor imagens de suspeitos de furto sem autorização ou julgamento formal, o varejista pode estar infringindo direitos fundamentais à imagem, honra e presunção de inocência, garantidos pela Constituição Federal. Em seu último Supermeeting, em março deste ano, a Abrappe, após insistentes pedidos de associados, promoveu um painel de debates sobre o tema, com o título “Abordagem e Exposição Pública da Imagem de Suspeitos de Furtos: Até Onde podemos ir?”.

“O assunto exige muito cuidado e calma. O sentimento nacional de impunidade e a indignação pela demora na condenação de uma pessoa furtante não podem se justificar para ações de risco”, disse André Parente – sócio-fundador do Valença & Associados, que participou do encontro da Abrappe no Teatro das Artes, em São Paulo.

 

Exposição de furtos: o que diz a legislação brasileira

De acordo com o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. Além disso, o Código Civil (art. 20) determina que a divulgação da imagem de uma pessoa pode ser proibida judicialmente, caso cause dano à sua honra, boa fama ou respeitabilidade.

Do ponto de vista penal, a exposição pública de acusados sem julgamento pode configurar crimes como difamação (art. 139 do Código Penal), injúria (art. 140) ou até exposição vexatória. Ainda que por vezes comprovado por meios lícitos (como gravações de câmeras internas), o furto ocorrido deve ser tratado com o Judiciário. É ele quem deve responsabilizar o autor do crime, e não o varejista.

Do ponto de vista da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n.º 13.709/2018 – LGPD), a imagem de alguém é considerada um dado pessoal. Nesse sentido, a divulgação de imagens de pessoas sem o devido consentimento ou sem respaldo em alguma base legal estabelecida pela LGPD pode configurar tratamento ilícito de dados, além de violação do direito à privacidade e à proteção de dados pessoais.

O artigo 7º da LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais só pode ocorrer mediante o consentimento do titular ou com base em outras hipóteses legais específicas. Dessa forma, a exposição pública de suspeitos pode ser interpretada como prática ilegal, acarretando risco de responsabilização administrativa.

Há também decisões judiciais que obrigam lojistas a apagar vídeos de furtos publicados nas redes sociais e até indenizar os envolvidos, mesmo sendo estes culpados, por danos morais decorrentes da exposição indevida.

 

Varejista está cansado dos prejuízos gerados

A maioria dos varejistas entende que a exposição pode ser um instrumento de alerta e de prestação de contas com o público, especialmente em locais com alto índice de furtos. Muitos alegam que já estão cansados da impunidade e que a divulgação ajuda a proteger o negócio e alertar a comunidade.

No entanto, grandes redes de varejo costumam evitar esse tipo de publicação justamente pelo risco jurídico envolvido. Em vez disso, investem em segurança preventiva, como monitoramento inteligente, treinamentos para funcionários e parcerias com forças policiais.

Além disso, há iniciativas mais responsáveis, como a divulgação de estatísticas, boletins de ocorrência ou campanhas de conscientização, sem expor diretamente os envolvidos.

Paulo Emerson, especialista da Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados (APDADOS), acrescenta uma visão mais ampla ao debate, destacando que a questão não deve ser analisada exclusivamente sob a ótica da LGPD. É importante evitar cenários de julgamento coletivo e reações sociais enfurecidas, que podem ser potencializadas por ações precipitadas nas redes sociais. A exposição pública de casos de supostos furtos, ainda que dentro de um contexto de segurança, precisa ser analisada com cuidado para não promover uma justiça paralela ou inflamar a opinião pública sem o devido processo legal, conclui o especialista.

 

Como o varejista deve agir de forma segura

Se sua loja sofreu um furto e você registrou o fato em vídeo, o mais indicado é registrar boletim de ocorrência e encaminhar as imagens às autoridades; evitar publicar imagens ou dados que identifiquem o suspeito nas redes sociais; se desejar alertar o público, use linguagem neutra e genérica, sem juízo de valor ou acusações; em caso de dúvida, consulte um advogado especializado em direito digital ou varejo.

Além da questão legal, há o fator reputacional. O uso das redes sociais de forma ostensiva para expor suspeitos pode comprometer a imagem da marca, especialmente em contextos de alta visibilidade ou quando houver erro de identificação. A reputação corporativa, elemento intangível e essencial no varejo, pode ser negativamente impactada por percepções de arbitrariedade ou abuso.

A recomendação de especialistas em compliance, direito digital e comunicação de crise é que a empresa adote um protocolo de resposta institucional, envolvendo a área jurídica e de comunicação antes de qualquer publicação sensível.

A exposição de furtos nas redes sociais pode parecer uma solução rápida e eficiente, mas representa um campo minado de riscos legais. O ideal é que varejistas usem canais adequados para combater o crime, priorizando a segurança no varejo e o cumprimento da lei. Antes de compartilhar qualquer conteúdo desse tipo, vale refletir: vale a pena trocar visibilidade por um possível processo judicial?

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